terça-feira, 19 de janeiro de 2010
O fim da era dos Movimentos Sociais em debate
Puplicado:
02:26
Por:
Rodinei Costa
Rudá Ricci, sociólogo, concedeu uma entrevista à IHU On-Line, publicada no dia 30/11/2009, publicada com o título ‘Com o fim da era dos movimentos sociais foi-se a energia moral da ousadia'. A entrevista foi contestada por Valter Pomar, Secretário de Política Internacional do PT, em artigo publicado pelas Notícias do Dia, no dia 11/12/2009, sob o título "Valter Pomar contesta entrevista de Rudá Ricci". No dia 12/12/2009, nas Notícias do Dia, Rudá Ricci, continuou o debate com o artigo Movimentos Sociais em discussão. Rudá Ricci responde a Valter Pomar.
Hoje publico, conjuntamente, um artigo de Valter Pomar e Rudá Ricci.
O debate sobre os movimentos sociais poderá ser retomado nas edições do próximo ano da revista IHU On-Line.
Movimentos Sociais. Valter Pomar responde à tréplica de Rudá Ricci
Eis o artigo.
Li tua "tréplica". Confesso que fiquei decepcionado com o estilo: ataques pessoais disfarçados, desqualificação subliminar e a manjada acusação de "stalinismo". Esta parte de sua tréplica vou simplesmente deixar para lá, em nome do espírito natalino, acolhendo entretanto a recomendação de estudar -- realmente nós que somos dirigentes partidários estudamos muito pouco.
Também fiquei decepcionado com o mérito de sua tréplica. Questionei suas posições porque elas me parecem teoricamente e politicamente incorretas. Na tua resposta, você me acusa de ignorância, mas não responde minhas críticas.
Por exemplo: eu apontei a incidência da Igreja Católica nos movimentos sociais dos anos 1970 e 1980. Na tua tréplica, você me acusa de sofisma, por supostamente confundir "o papel da ORGANIZAÇÃO Igreja Católica, com a expressão ORGANIZATIVA das populações atendidas pelo trabalho pastoral vinculado à Teologia da Libertação. Não existe correspondência alguma. Tanto que Leonardo Boff foi expulso da organização. E sempre foi um expoente da Teologia da Libertação".
Como, não existe correspondência alguma? Boff foi expulso da Igreja exatamente porque existe esta correspondência. O declínio da influência prática da Teologia da Libertação resulta exatamente desta correspondência, sem a qual os conservadores não teriam conseguido centralizar, isolar e expulsar. Mas você prefere discutir o ideário do comunitarismo cristão, como se isto fosse capaz de desmentir os vínculos existentes entre a Igreja Católica enquanto organização e o trabalho cristão de base.
Outro exemplo: você diz que eu confundo "conceitos ao procurar interpretar a 'hegemonia' do neoliberalismo. Hegemonia é cimento social, capacidade de direção da totalidade ou maioria das classes e segmentos sociais. Eu lamento esta pauperização analítica de denominar tudo de neoliberalismo, uma pauta programática das mais pobres, que nem seus elaboradores a aceitam mais. Lamento porque folcloriza a análise, perde a noção de dinâmica política que altera elaborações e formulações dos sujeitos políticos. Pomar comete o mesmo erro em relação ao conceito de organização e dialética. Empobrece e reduz os conceitos. No caso do neoliberalismo, possivelmente por desconhecimento de Pomar a respeito do conteúdo do social-liberalismo e da Nova Política Pública anglo-saxônica (que no Brasil ganhou a denominação de Estado Gerencial)".
Li e reli o parágrafo acima e não encontrei nele nenhuma contestação ao que eu disse na minha réplica a tua entrevista. Considero que o neoliberalismo continua hegemônico no Brasil, basicamente porque ainda vivemos sob a ditadura da especulação financeira. Negar esta hegemonia não ajuda os "social-liberais", ajuda os neoliberais. O problema é de parâmetro: você parece achar que, por ser teoricamente pobre, o neoliberalismo é politicamente, socialmente ou economicamente irrelevante.
Quanto aos movimentos sociais, você mesmo reconhece que "não temos movimentos sociais como define o conceito". Ora, qual a conclusão que você tira disto? Tua conclusão é que precisamos "compreender o conceito porque ele possui história".
Claro que a compreensão dos movimentos sociais realmente existentes inclui a compreensão do debate teórico acerca dos movimentos sociais. Mas a "prova dos nove" está na realidade, não na "história das idéias". Por isto, a minha conclusão é que aquele "conceito" é insuficiente ou simplesmente está errado, pois não dá conta de compreender e portanto não ajuda a transformar a realidade.
Exemplo disto é a discussão sobre "movimento social" e "organização". Você diz que "um movimento social toma decisões em plenárias, através dos expedientes de democracia direta. Porque, não havendo hierarquia funcional rígida, todos são iguais, ou seja, apóiam-se no conceito de “cidadão total” rousseauniano. Uma organização, por ter hierarquia fixa, toma decisões em arenas e instâncias fechadas, formais, envolvendo poucos membros (os membros da direção)".
Acho que você idealiza os movimentos sociais realmente existentes. E, do ponto de vista teórico, tua interpretação não ajuda a compreender a vida real, a luta de classes real, onde movimentos se transformam em organização, organizações geram movimentos, como aliás você mesmo admite.
Logo, aqueles "tipos ideais" ("movimento", "organização") expressam "momentos" da vida cotidiana das classes e grupos sociais existentes na sociedade .Contrapor em termos abolutos um a outro, contrapor movimento e organização, constitui por isto um erro teórico. E também político.
Você diz que "ao entrar no debate acadêmico, deve esquecer os expedientes de debate partidário. São campos distintos". Aliás, vista de conjunto, tua tréplica as vezes parece mais preocupada em sustentar a correção acadêmica de tuas posições, ou seja, mostrar que elas respeitam um parâmetro ACADÊMICO (as maiúsculas são suas).
Acontece que este debate não é "acadêmico". Releia sua entrevista ao IHU: ela é 100% política. Minha impressão é que você não conseguiu responder as críticas políticas que fiz, optando por se "refugiar" no falso argumento de que se trataria de um debate acadêmico, para o qual obviamente você não me julga qualificado.
Mas, convenhamos: falar que os partidos contemporâneos "não conseguem mais representar o cotidiano porque se tornaram empresariais" é "sociologia" ou também é "política"?
Dizer que o PT é um "exemplo cabal desta situação, se americanizando a ponto do marketing falar mais alto que os conteúdos programáticos" é um debate acadêmico? Ou também é um argumento político?
Claro que é possível sustentar "academicamente" as duas afirmações. Aliás, todo dia a grande imprensa convoca "especialistas" que dão opiniões supostamente objetivas, com o objetivo de conferir status supostamente científico para preconceitos de direita.
O problema é que, além de politicamente direitista, se trata de péssima ciência. Por mais que o "marketing" fale alto, por mais que haja um processo de "americanização", os grandes partidos expressam conteúdos programáticos, na medida que expressam os interesses de determinados setores de nossa sociedade.
A classe trabalhadora realmente existente possui setores que, ao contrário do que você diz, consideram que o PT expressa seus interesses cotidianos. Outra discussão é saber quais os vínculos entre estes interesses cotidianos e os interesses históricos da classe trabalhadora.
Você me acusa de jogar "água no moinho da tutela estatal sobre organizações populares". Veja: ao mesmo tempo que acho legítimo e necessário, reconheço que existe uma dimensão perigosa no financiamento estatal às organizações sociais. Mas a maneira como você coloca o problema é totalmente unilateral e "joga água na crítica de direita aos movimentos sociais", pois sua crítica é no fundamental a mesma crítica repetida diariamente pela mídia.
Numa coisa concordo contigo, entretanto: nisto reside o fundo das nossas diferenças políticas. Nesta questão, acho que você adota o ponto de vista do tucanato. Não acompanhei tua trajetória política nem intelectual, portanto não faço a menor idéia sobre o caminho que você seguiu para chegar em tal ponto. Mas conheço muitos intelectuais que, ao longo dos anos 1980 e 1990, ajudaram a pavimentar o caminho que hoje deploram.
A evolução do PT e da CUT foi em parte opção, em parte resultado da correlação de forças. Eu sei em que lugar estive, neste período: lutando, política e teoricamente, contra a maioria das opções feitas.
Uma parte daquelas opções foi facilitada pela compreensão teórica hegemônica no PT e no sindicalismo, compreensão que deve muito pouco ao marxismo. Noutras palavras: a simplificação obreirista, basista, esquerdista, pavimentou o caminho para uma deriva à direita. Hoje, simplificação análoga na crítica ao governo Lula e à situação atual dos movimentos sociais, também ajuda a direita. No caso, a direita tucana.
Mais uma resposta à Valter Pomar: entre decepções e apreensões
Rudá Ricci, alguns dias antes do Natal
Esperava mais do dirigente nacional do partido do Presidente da República. Ao menos, que conhecesse a história dos conceitos. E, ao contrário do que imagina, não houve ataques disfarçados: como filho de italianos, digo o que penso com clareza e, às vezes, até com certa rudeza (para fazer trocadilho com meu nome).
Mas vamos ao que é mais sério. Como Pomar deslocou a discussão para o campo político, seria correto afirmar que a decepção é parte do jogo. Imagino que ele tenha tido na vida política algumas decepções de maior monta que a que teve com minha resposta. Se não teve, aí estamos diante de um problema gavíssimo, uma espécie de dificuldade de enfrentar a adversidade.
O fato é que o dirigente petista não tem muito para onde fugir: se aceita meus argumentos, não lhe restaria outra alternativa que o seu afastamento da direção do PT. Porque é responsável pelos rumos que critico. Portanto, estamos enfrentando um dilema pessoal e não um problema de análise política. Porque estamos discutindo com o drigente do partido que forjou o lulismo e tutela as organizações populares de nosso país.
De qualquer maneira, gostaria de comentar alguns outros erros teóricos de Pomar:
1) A Teologia da Libertação independe da instituição Igreja Católica.
Seria mais robustar, obviamente, que tivesse sua benção, mas existe sem ela. Os encontros de CEBs e as Semanas Sociais brasileiras são prova cabal desta independência. Mas esta percepção só é vislumbrada por quem conhece de perto os movimentos da instituição e dos adeptos desta teologia. A Igreja Católica acolhe muitas concepções teológicas e resiste, desde a inquisição, a criar defecções. Faz parte de sua inteligência política, muitas vezes analisada. Boff foi expulso sem que outros tantos teólogos brasileiros da mesma linhagem sofressem o mesmo fim. Por qual motivo? A Teologia da Libertação se desmontou desde então? Ora, aqui Pomar procura criar a lógica exclusivista de um partido (que expulsa muitos, incluindo correntes políticas inteiras) com a lógica da Igreja Católica. Não se trata de avaliação moral ou juízo de valor, mas de admitir lógicas institucionais distintas;
2) Em relação ao neoliberalismo, Pomar confunde esta mera agenda de redução dos gastos e intervenções estatais com o papel do capital financeiro. Confunde o programa com o beneficiado. Como se ao findar a agenda, o beneficiado fosse eliminado da face da Terra. Ora, sabemos que a especulação financeira continua em alta no país que até então era o campeão mundial da taxa de juros básica. Mas este fato não se relaciona exclusivamente com o neoliberalismo. A não ser que Pomar identifique no governo Lula uma agenda neoliberal. E não se trata de jogo de palavras: Pomar se confunde, evidentemente. Desde o governo Clinton, o Banco Mundial e a UNCTAD rejeitam a agenda neoliberal. Como pode ser hegemônica uma concepção que sugere a redução da intervenção estatal num mundo salvo recentemente por esta intervenção? Como desconsiderar o aumento da disputa por mecanismos protecionistas? Pomar parece desejar um mundo dicotômico, binário: os neoliberais e os não-neoliberais. Mas há mais matizes programáticas e ideológicas que sua palheta sugere, à direita e à esquerda. Aliás, foi Lula quem decretou o fim do neoliberalismo, na Assembléia Geral da ONU;
3) A redução parece ainda mais grave quando afirma que o conceito de movimento social é superado pelo movimento social real. Chega a ser um argumento que gera vertigens, dada a elipse de raciocínio. Não, Pomar: o conceito explica o fenômeno. E não há movimentos sociais em nosso país como o nome o descreve. Talvez, alguns poucos;
4) Um nome tem história. E eu descrevi o significado do nome. Pomar necessita fazer o mesmo e explicitar o que é movimento social que tanto cita. Porque suas respostas são reativas: elas apenas tentam negar o que afirmo, mas não colocam nada no lugar. Fica o vazio argumentativo;
5) Façamos, então, o exercício que Marilena Chauí sugere para desmontar uma ideologia: radicalizemos seu argumento para revelar suas lacunas.
Digamos que temos movimentos sociais no Brasil em profusão. Onde estão? Quais seriam eles? Percebo que uma hipótese encoberta em sua primeira mensagem é que o que identifiquei como organizações (e que antes foram movimentos sociais) são, para meu interlocutor, uma evolução natural de um movimento social. Então, neste caso, todas organizações são movimentos, hoje? Ou seriam apenas aquelas organizações que um dia foram movimentos sociais? Percebe-se a fragilidade desta noção flexível e relativista do conceito. O argumento de Pomar se aproxima do de movimento popular, que incluía tudo e todos, diminuindo em muito a análise crítica. Trata-se de um desejo, apenas;
6) Meu problema em Pomar confundir desejo com realidade é que rebaixa a leitura crítica sobre o que ocorre no Brasil e abre espaço para o lulismo.
Explico: ao reduzir a agenda liberal ao neoliberalismo, toda agenda liberal ou próxima aparece como algo muito distinto. Porque tudo o que não é neoliberal seria muito melhor. Como a direita encontra-se sem uma agenda política e de Estado nítida neste momento do Brasil, o lulismo se fez hegemônico no Brasil. E já vinha caminhando desde antes. O neoliberalismo, na gestão FHC, foi híbrido, porque adotou a lógica do Estado Gerencial inglês. Era uma confusão entre social-democracia e neoliberalismo. O social-liberalismo é mais uma variação do liberalismo. Mas se o neoliberalismo é ainda hegemônico, o social-liberalismo seria uma vantagem, não? Não. Seria uma mera nuvem de fumaça, já que o mundo é meramente bipolar na argumentação de Pomar: neoliberal ou não;
7) No embate político é comum reduzir tudo a chavões. Mas vale para a diferenciação didática, não para construir opções e alternativas. E por este motivo, pela redução de tudo ao neoliberalismo é que o lulismo se formatou. E vai dificultando um debate franco e positivo em nosso país. Pior: qualquer crítica ao lulismo é rotulada de neoliberal dando origem a um novo pensamento único (com perdão do uso da palavra pensamento);
8) Pomar me deixa apreensivo ao utilizar de maneira tão equivocada o conceito de tipo ideal. Tipo ideal é um recurso analítico da sociologia weberiana. E nunca se aplicou aos conceitos de movimento social e organização. Organização, inclusive, que foi objeto de análise de Weber. Com aspas ou sem aspas, os argumentos vão rareando e se desloca para uma tal leitura da “vida cotidiana das classes e grupos sociais”. O problema é esta leitura épica do mundo social. E, para tanto, é preciso que organização se confunda com movimento e, possivelmente, com partido e governo e Estado. Porque estamos lidando, nesta visão, com uma evolução política positiva dos movimentos sociais, quando se tornam organizações e atingem sua forma borboleta. Nesta lógica, então, estaríamos num momento especial da correlação de forças. Mas, afinal: o neoliberalismo é hegemônico ou os movimentos sociais vivem um momento positivo de evolução para organizações? A confusão é imensa e parece servir para uma leitura absolutamente enviesada. Enfim: trata-se de pobreza conceitual ou ginástica político-ideoló gica para moldar conceitos que procuram encaixar a realidade num desejo;
9) A partir daí, com o argumento rareando e os conceitos deslizando por entre os dedos, Pomar descamba para a rotulação fácil. E aí, se traiu. Porque se inicia seu texto dizendo que se decepcionou por destilar argumentos de natureza pessoal, ao me rotular, jogou seu bumerangue retórico contra si. É o que ocorre com dificuldades de sustentação argumentativa. Não é raro nos debates marcados pela urgência da luta pelo poder, muito pouco afeto ao debate teórico e crítico;
10) E, por aí, chegamos à linha justa. Mas, continuamos sem saber o que são movimentos sociais para Pomar. Sabemos que parece ser natural que este conceito se misture com o de organização. Também sabemos que o neoliberalismo é hegemônico e que, assim, imaginamos que cerceia ou limita o lulismo. Mas o lulismo e o PT são populares no Brasil e entre os trabalhadores. Mas, neste caso, como o lulismo é popular se o neoliberalismo é hegemônico? Pelo que imaginamos, Pomar não considera que o lulismo seja neoliberal. Neste caso, o lulismo erra por ter pouco espaço para se realizar como gostaria? Ou acerta e disputa a hegemonia com o neoliberalismo? Pomar parece concordar com o financiamento do Estado das organizações populares. Mas não sabemos, afinal, se é perigosa ou necessária. Ou, ainda, pelo seu raciocínio é perigosa e necessária. O melhor dos mundos para o dirigente petista. Porque é crítico, ma non
troppo. Antes, pelo contrário;
troppo. Antes, pelo contrário;
11) Sejamos francos: Pomar não esteve num de seus melhores momentos nesta discussão.
IHU/Unisinos, 15/12/2009 – www.unisinos. br/_ihu
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